O Anjo de
Maria

Era uma vez uma menina que tinha seis anos, chamava-se
Maria e vivia em Porto de Mós com os pais e a avó
materna. A mãe chamava-se Clementina, o pai José e a avó
Maria da Conceição. A sua família era muito pobre, a
casa era muito pequena, e com um grande quintal para
criar patos, porcos, galinhas e vacas. O quintal também
tinha uma grande parte para cultivar os alimentos.
Maria era baixa e magra, tinha cabelos pretos e olhos castanhos. A
maior parte do ano, Maria encontrava-se sempre doente,
devido às temperaturas do ano. Além disso, a família era
muito pobre e não tinha dinheiro para poder comprar
comprimidos, também só havia uma farmácia e a medicina
naquele tempo não era evoluída.
Como o seu pai andava na tropa, de vez enquanto, recebia cartas
para prestar serviço militar em outros países. Nessas
altura, Maria tinha que ajudar a mãe e a avó nos
trabalhos da casa. A mãe mandava-a ir às compras, lavar
a loiça, fazer as camas, etc...
Quando a mãe não estava em casa de noite, quem tomava conta de
Maria era a avó que, apesar de às vezes se encontrar
doente ou “meia maluca”, Maria respeitava-a.
No mês de Março de 1961 , começou a guerra colonial entre Portugal
e África. Esta notícia foi tão má para Portugal, como
para Maria. O pai poderia receber a tal carta para
prestar serviço militar em África.
Nessa mesma noite, Maria, antes de se ir deitar,
ajoelhou-se perante um boneco de barro, que mais parecia
um anjinho, e disse:
- Meu anjinho da guarda, queria pedir-te que o meu pai não
recebesse a carta para prestar serviço militar em
África. Estou com medo que ele morra.
Deu um beijo no anjinho e foi-se deitar.
Naquela noite, depois de adormecer, Maria começou a agitar-se.
Aquela agitação toda era um sonho. Sonhou que estava
sentada no chão do seu quarto. De repente apareceu uma
luz amarela aos seus pés, e apareceu um homem que
parecia um anjo, com cabelos loiros e olhos azuis, com
umas asas azuis e pequenas, o anjo estendeu-lhe uma das
suas mãos pequenas e disse:
- Maria, eu sou apenas o teu anjinho da guarda, não o do teu pai.
Só o anjinho da guarda do teu pai poderá conceder-te
esse desejo! Tu sabes para que é que servem os anjinhos
da guarda? – perguntou o anjinho com a voz mais calma.
- Não. Podes dizer-me?
- Claro que posso! Os anjinhos da guarda servem para tomar conta
das pessoas. Por isso é que cada pessoa tem um anjinho
da guarda. Bem, agora tenho que ir.
- Adeus, Maria, se precisares mais de mim, chama-me. –
disse o anjinho da guarda sorrindo para ela. Antes de
Maria lhe dizer adeus, já o anjinho se tinha ido embora.
O sol batia na sua cara, Maria acordou. Antes de se levantar para
ir tomar o pequeno almoço, Maria pôs-se a pensar sobre o
sonho que a tinha ocupado durante a noite passada
enquanto dormia, e começou a interrogar-se a si mesma:
seria que aquele sonho tinha sido apenas um mero sonho,
ou teria sido pura realidade? Tentou esquecer o sonho e
foi para a cozinha tomar o pequeno almoço, onde estava
toda a sua família, especialmente o pai, que tinha uma
carta na mão. Maria não ficou nada surpreendida, pois
sempre que acontecia alguma coisa conflituosa entre
Portugal e outro país, o seu pai recebia uma carta da
tropa. Além de Maria não concordar com isso e ter sempre
esperança que o pai não recebesse aquela carta. Maria
achava isso mal porque só quando o seu pai estivesse
morto é que não mandavam a carta, porque a tropa
precisava dele. Só o deixaria era quando ele estivesse
morto ou com uma deficiência mental.
Maria sentou-se na cadeira e disse:
- Já sei que vais prestar serviço militar em África, e que vais
partir hoje ainda de manhã, não é preciso dizeres.
- Ainda bem que o sabes! – disse seu pai com ar de poucos amigos,
por a sua filha ter reagido mal, mesmo assim seu pai
escondia a tristeza de ter que estar longe do seu bem
mais precioso, a sua filha.
Depois de ter comido as duas torradas e o seu leite com chocolate,
foi para o seu quarto vestir-se rapidamente, para poder
ir com a família levá-lo.
Às nove em ponto, Maria estava à porta de casa, esperando a
família. Saíram de casa e deslocaram-se até à paragem de
autocarro, para Torres Novas. Depois de quinze minutos,
a carrinha chegou à paragem. Maria mostrou o bilhete e
foi sentar-se, o mais longe possível, para o pai não
falar com ela, sempre sobre o mesmo assunto: ter que
tomar conta da casa, ajudar a mãe e a avó, e mais coisas
desse género. Depois de meia hora, tinham chegado a
Torres Novas. Foram imediatamente comprar os bilhetes
para Lisboa, para partirem logo no comboio seguinte.
Maria já estava farta de fazer sempre aquelas viagens horrorosas
até Lisboa, aliás, Maria achava que valia sempre a pena
comprar uma casa em Lisboa, mas não tinha dinheiro. O
comboio chegou cinco minutos mais tarde. Fizeram a
viagem durante duas horas. Chegando lá, dirigem-se ao
porto de Lisboa, que era, e é, banhado pelo rio Tejo, e
esperaram pelo navio. Depois de quinze minutos, o barco
aparecera no porto.

Maria despediu-se do pai. Antes de o pai ter entrado no
barco, uma lágrima de tristeza aparecera a Maria no
cantinho do olho. Depois de vinte minutos, Maria deixou
de ver por completo o barco de onde se encontrava o pai
e outros homens que iriam prestar serviço militar em
África.
Passaram-se dois anos, até que aconteceu uma coisa terrível,
Portugal começou a ter ataques terroristas por parte dos
Africanos, que não estavam nada contentes, e decidiram
atacar os distritos, de onde se encontravam as famílias
das tropas portuguesas, o que quis dizer que Maria e a
sua família teriam que fugir de Portugal até a guerra
colonial acabar de vez, para depois poderem voltar até
sua casa com José são e salvos. No dia 5 de Abril, Maria
e a sua família fugiram de Porto de Mós, no autocarro, e
depois de comboio, fugiram de Portugal para o país
vizinho, Espanha. Quando começaram a viagem de comboio,
a meio da viagem, ouviu-se um estrondo enorme: o comboio
foi “pelos ares”, matando a maior parte das pessoas. Era
um dos ataques terroristas. Maria pensava para si mesma,
estaria morta, com asas azuis e pequenas nas costas como
o seu anjinho da guarda, ou estaria simplesmente viva?
Maria acreditava mais na ideia de estar viva, porque de
certeza, o seu anjinho da guarda a protegeu durante
estes minutos. Abriu os olhos e concluiu que estava
viva. Levantou-se e foi ver da mãe e da avó muito
preocupada. Depois de as encontrar, Maria viu a pulsação
de cada uma e viu que tanto a mãe como a avó se
encontravam mortas, estateladas nos destroços do
comboio. Maria começou a chorar e disse com uma voz
segura:
- É tudo mentira, ninguém tem anjinhos da guarda, se não a mãe e a
avó teriam sobrevivido!

De repente apareceu uma luz amarela, Maria nem queria acreditar, o
anjo estava ao pé dela, naquele momento. O anjo
estendeu-lhe a mão e disse:
- Maria, todas as pessoas morrem, os anjinhos da guarda às vezes
não conseguem proteger a pessoa que têm de proteger, eu
consegui proteger-te, mas os anjinhos da guarda da tua
mãe e da tua avó não conseguiram faze-lo. Olha em tua
volta, e vê quantas pessoas morreram neste acidente.
Maria olhou em sua volta, e constatou que, naquele atentado, tinham
morrido milhares de pessoas. Voltou a olhar para o sítio
onde estavam o anjinho, mas já lá não estava ninguém.
Limpou as lágrimas e começou a pensar:
- Como a mãe e a avó morreram, eu não posso ficar aqui a chorar
para sempre, mas elas ficariam felizes se eu fosse
sozinha para Espanha.
Começou a correr com todas as suas forças, antes que a polícia ou a
ambulância viesse, para depois não a levarem para
adoptar até o pai chegar de África, e escondeu-se atrás
de uma casa, para que ninguém a visse. Passado algum
tempo, como não estava ninguém, correu até umas casas de
banho públicas, e lavou a cara para que não desse muito
estrilho quando fosse a passar por um local que não
estivesse deserto. Maria foi de camioneta, para Lisboa,
que demorava mais tempo do que ir de comboio, mas era o
mais seguro. Passadas quatro horas, estava ela em
Lisboa.
- Não acredito, já não tenho mais dinheiro, o que é que faço? –
disse ela desesperadamente. Pensou e teve uma ideia, que
não era a melhor, mas era a mais rápida: ser pedinte em
Lisboa. Deslocou-se até à parte mais movimentada, além
de não ser nada bom, porque, como era muito movimentada,
poderia existir um atentado, mas para pedinte, era o
melhor.
Quando chegou a uma parte, e concluiu que era movimentada,
Maria sentou-se no chão e estendeu o seu chapéu. Maria
ficou ali até de manhã, tentando aguentar a fome e o
frio que tinha.
- Consegui juntar pelo menos cem euros. – disse ela com muita
alegria no dia seguinte. Decidiu ir a um café, e comer
um pão com chouriço e um leite com chocolate.
Deslocou-se até a uma estação de comboio e comprou um bilhete com
destino a Castelo Branco. A viagem demorou cinco horas,
chegando a Castelo Branco de tarde. Deslocou-se a um
café onde acabou por comer aquilo que tinha comido de
manhã e foi até um prédio, no interior do que ficou ao
pé da porta de entrada, e dormindo ai até ao outro dia.
Toda a gente que passava por ela a olhava como se fosse
apenas um balde do lixo. Quando começou a anoitecer,
passou por ela uma velhinha, corcunda, que parecia ser
boa pessoa, e disse:
- Que estás aqui a fazer, minha menina?
Maria olhou para ela com ar duvidoso, mas acabou por responder:
- O meu pai está na guerra colonial e a minha mãe e avó morreram
num atentado quando fugiam comigo num comboio para
Lisboa para podermos ir para Espanha. – disse Maria com
um ar triste.
- Podes ficar em minha casa, enquanto o teu pai não vier. Não te
preocupes, eu não sou como aquelas pessoas que chamam as
crianças e fazem-lhes mal. Eu também perdi o meu marido
que também estava na guerra colonial e a minha filha que
morreu de leucemia. Não tenho ninguém e estou
abandonada, a única coisa que me sustenta é a pensão do
meu marido.
- Quando a sua filha e o seu marido morreram, você sofreu
muito?
- Sofri muito, especialmente com a morte da minha filha que tinha
apenas catorze anos.
- Lamento imenso.
- Isso não interessa. Aceitas ou não o convite?
Maria levantou-se e abanou com a cabeça uma resposta afirmativa.
Seguiu a velhinha até ao segundo andar e entraram na casa, que era
grande, mas sozinha. A velhinha mostrou-lhe o quarto, que
mais parecia ser o quarto da sua filha. Maria pousou as
coisas e deitou-se, pois estava muito cansada da última
viagem.
Às três horas da manhã, quando Maria estava a dormir profundamente,
ouviu-se um estrondo muito grande. Maria acordou,
levantando-se rapidamente da cama. Olhou para a cadeira
da sua estante e viu um homem que parecia estar maluco,
com uma faca na mão. Maria ficou chocada, vendo que o
homem largava um riso maldoso para ela e lhe apontava a
faca que tinha na sua mão ensanguentada. Maria não
queria pensar no pior, (será que o homem matou a pobre
velhinha?). O homem levantou-se e dirigiu-se a Maria com
a faca em sua direcção. Maria gritou com toda a sua
força e fechou os olhos, para não ver como foi a sua
pobre morte. Os segundos estavam a passar, mas não tinha
acontecido nada. Abriu os olhos e viu a mesma luz que
tinha visto quando apareceu o anjinho, e viu o homem que
a tinha ameaçado, estendido no chão. Maria pensou e
disse:
- Obrigado, meu anjinho da guarda.
- De nada. – disse o anjinho um bocado corado.
Maria foi até ao quarto da velhinha, e viu que ela já lá não
estava, deixando Maria em dúvida. Olhou para a mesinha
de cabeceira , viu um papel, e leu-o:
- Menina, fugi porque tenho medo dos atentados, desculpa.
Maria não desculpou, porque a velhinha disse que ficava com ela até o seu
pai chegar a Portugal e nessa mesma noite foi embora com
as suas coisas. Abriu a porta do prédio, o céu
encontrava-se meio rosado, eram sete da manhã. Foi a um
café e tomou o pequeno almoço. Depois de o tomar,
perguntou à senhora do café onde se encontrava a estação
e a senhora disse:
- Fica atrás daquele jardim.
Maria passou pelo jardim, vendo umas escadas que deviam ser da
estação. Desceu-as, e foi comprar o bilhete com destino
a Badajoz, que se situa no país vizinho. A viagem
demorou seis horas, chegando lá à tarde.
Maria foi até uma casa e deitou-se nos degraus da escada, ficando
ali até ao outro dia de manhã. A noite começou a ficar
gelada, tendo ela que se apertar ainda mais. A verdade é
que Maria não conseguiu dormir, passou a noite inteira a
pensar no pai que, neste momento, devia estar a matar os
Africanos e a proteger-se.
Era de manhã, Maria, afinal, conseguiu dormir, mas acordou com o
som de uma criança, mais ou menos da idade dela, a sair
de casa, de certeza para ir para a escola. Mas a criança
parecia ser portuguesa, porque falava a mesma língua que
Maria falava. A criança olhou para ela e começou a
falar, mais parecia espanhol Maria disse:
- Sou portuguesa, tu também és, certo?
- Sim, sou portuguesa. Mas que estás tu aqui a fazer? Espera aí, já
sei, fugiste de casa, certo?
- Não. O meu pai está na guerra colo...
- Entre África e Portugal? Sim, já sei qual é. – disse a menina
interrompendo Maria.
- E a minha mãe e avó morreram nos atentados, eu também estava com
elas, mas não morri. – disse Maria acabando a sua frase.
– Agora estou sozinha. – disse novamente Maria
completando a sua frase.
- Podes ficar em minha casa, os meus pais deixam, de certeza, só
tens é que lhes contar a história toda. – disse a
menina, levando-a para dentro de sua casa, e
apresentando-a aos pais, que pareciam ser muito
simpáticos. A menina apresentou-a, e Maria começou a
contar toda a história. No fim, os pais aceitaram Maria
com muito gosto. Quiseram pagar-lhe os estudos até o seu
pai voltar. A mãe chamava-se Cristina, o pai João e a
menina Cristiana.
Maria esteve em casa deles durante cinco anos, sendo muito bem
tratada, subindo de nível na escola todos os anos, e
continuando a ter os mesmos sonhos com o seu anjinho da
guarda. Os pais da menina trataram Maria como se fosse
filha deles e Maria respeito-os como se fossem seus
pais.
Num dia, os seus pais adoptivos chamaram Maria até à cozinha.
Quando Maria chegou, ficou chocada de tanta alegria, era
seu pai que sorria para ela. Maria começou a correr para
junto dele e disse:
- Tive tantas saudades tuas, nem imaginas!
- Eu também tive saudades tuas. Pensei nunca mais te
ver. – disse o pai.
Cristina e João, os seus pais adoptivos, foram-se
embora, para eles ficarem a sós.
Maria olhou para o pai e disse:
- Pai, podemos ficar em Espanha? Eu não suporto mais viver em
Portugal, eu não me quero lembrar como morreu a mãe e a
avó, percebes?
- Mas isso vai ser muito complicado, nos não temos casa, e também
não temos muito dinheiro para comprar outra casa.
- Podemos fazer um esforço. Por favor!
- Vou pensar no assunto. Se calhar.
Passaram-se quatro meses, Maria conseguiu convencer o pai, e agora
estavam a viver em Espanha. Maria continuou no mesmo
colégio, para não perder a amizade dos amigos que tinha
arranjado. E o pai nunca mais foi prestar serviço
militar, ficando sempre ao lado da sua filha,
acompanhando-a, em todos os seus passos, tanto na escola
como na idade.
|