A Máquina de todos os Sonhos

 

           

Manchester, 1850

 

Ralph Palmer era um escritor de vinte e cinco anos, apaixonado por descobrir coisas novas. Vivia em Chinatown, Manchester, com a sua esposa Elisabeth Palmer, uma bela senhora da alta Sociedade.

Ralph escrevia todo o tipo de livros, desde livros de arte a histórias de romance. Apesar da sua mulher ser muito rica e conhecida, Ralph não dava grande valor à fama. Gostava de ser uma pessoa normal, como todas as outras, embora admirasse a vida que tinha e a importância da sua esposa em toda a Inglaterra.

Um amigo de Ralph, Daniel Sanders, um famoso cientista de Liverpool, queria, há já muito tempo, inventar uma máquina que fosse muito necessária a toda a gente. Tinha pensado num aparelho automático para limpar o pó de casa, num robot para ajudar as crianças na escola, … e muito mais. Mas não tinha nenhuma ideia excelente para concretizar o seu sonho. E depois era preciso conseguir realizá-la. Daniel era irmão de Beth, e estava casado com Melinda Sanders, uma arquitecta com ligações à Família Real de Inglaterra. O seu filho, Aaron, um rapaz sobredotado que queria seguir os passos do pai, tinha também o sonho de construir uma máquina revolucionária.

Certo dia, Ralph tinha acabado de chegar a casa, depois de ter ido caçar com uns amigos. Beth parecia contente. Tinha ido falar com a sua cunhada, Melinda, e as duas tinham chegado à conclusão de que Ralph se devia dedicar a outra profissão sem ser à escrita. Ele adorava escrever, mas devia arranjar um trabalho mais rentável e divertido. Assim escusava de passar todos os dias fechado em casa a pensar no que devia ou não de registar num livro seu.

Ralph não achou a ideia muito agradável. Podia continuar a dedicar-se à escrita, mas não a tempo inteiro. Decerto não iria gostar. Apesar disso, fez o favor à sua esposa.

No dia seguinte, decidiu ir falar com o rei. Talvez ele o quisesse para conselheiro ou outro desses cargos importantes. Ralph fez a proposta a Sua Alteza Real:

- Por mim, aceitava o seu convite de bom grado, mas acredite que você é um excelente escritor, e não devia começar com outra carreira sem primeiro dar tudo o que tem a dar à escrita do nosso país. É só um conselho, mas de qualquer maneira eu não vou aceitar o seu convite. Já lhe expliquei porquê – disse o Rei decidido.

Mas Ralph não estava, de maneira nenhuma, aborrecido com a opinião do Rei. No caminho para casa pensou nas suas palavras. Tinha toda a razão. Mas ao mesmo tempo Ralph interrogava-se de como era possível um Rei ter um coração tão aberto. Sim, porque percebia exactamente o que ele próprio estava a pensar. Era, de algum modo, estranho.

Mal chegou a casa, deu com Melinda, Daniel e Aaron a jantar com a sua mulher. Durante a refeição, contou-lhes a opinião o Rei.

- Nunca pensei – disse – que uma pessoa tão rica e conhecida pudesse ter aquela opinião… espera aí… Daniel… tu não querias fazer qualquer coisa útil para as pessoas? Qualquer coisa que nos ajudasse…?

- Ralph – interrompeu-o Daniel – diz logo o que nos estás a esconder…

Mas a ideia era demasiado boa para o próprio Ralph acreditar.

-Alguma vez tentaste descobrir o que as pessoas pensavam? O que elas queriam num momento ou noutro? É isso… eu nem acredito, Daniel… vamos construir uma máquina que saiba os pensamentos das pessoas… um aparelho único em todo o Mundo que descubra o que vai na cabeça de toda a gente…

- Oh meu Deus, Ralph… – Daniel também não queria acreditar – tu és o maior génio da Humanidade…. Como é que pudeste ter uma ideia tão… tão… tão…

- …brilhante? – perguntou o pequeno Aaron – o meu tio sempre foi um génio. Eu sabia que, um dia, ele ia descobrir uma cura para este sonho do meu pai.

E foi assim que tudo começou. Ralph desistiu de arranjar um segundo trabalho, e Daniel exerceu o seu com a maior das alegrias.

Melinda e Beth também ajudaram na construção daquele objecto inovador. Estavam todos empenhadíssimos no projecto, como se tratasse de vida ou de morte. Na verdade, para Daniel era a concretização de um sonho, e para os restantes era um privilégio e um prazer ajudar.

Passaram-se dias e dias, meses e meses, anos e anos. Ao todo foram dois anos a trabalhar naquilo. Por sorte, tudo correu como planeado. A máquina estava pronta a ser testada, e só mais tarde seria posta à venda em todo o mercado.

Ralph ofereceu-se para a testar. Apontou para Beth e conseguiu ver todos os seus pensamentos. Era muito estranho, mas tinha resultado. Ela estava a pensar no que havia de fazer para o almoço, muito preocupada. Estavam todos muito contentes especialmente Daniel e Aaron, porque o projecto era mais deles do que dos outros.

Durante esse ano, o objecto foi replicado milhões de vezes e, finalmente, posto à venda. Daniel foi apresentado como o cientista maluco que desenvolveu a maravilhosa ideia de Ralph. Assim, foram os dois reconhecidos como inovadores e criadores da maior invenção de todos os tempos, depois da roda, claro. Mas Ralph não ligou à fama que tinha conseguido com aquele aparelho. Estava mais contente por se sentir bem. Afinal de contas tinha sido ele que tinha tido a ideia.

Melinda estava muito contente com tudo aquilo, e pediu a Daniel que lhe oferecesse um aparelho daqueles no dia do seu aniversário. Ele fez-lhe o favor. Aaron usou-o na escola, com os colegas. Sabiam o que o professor lhes ia ensinar, o que ele pensava deles e muito mais. Enfim, a máquina era perfeitamente legal, e parecia que todo o Mundo gostava de a utilizar.

Até que começou a haver reclamações, nomeadamente de patrões de empresas conhecidas e de psicólogos. Diziam que os clientes estavam a descobrir demasiado acerca deles, e que não podiam continuar assim. Claro que também tinham uma máquina, mas achavam que as pessoas estavam a perder a sua privacidade. Agora já nem podiam pensar sem que ninguém soubesse… E revoltaram-se. Um homem que tinha comprado a máquina disse que usou o aparelho porque queria saber os pensamentos da mulher, naquele momento. Mas não gostou do que descobriu. A mulher queria suicidar-se. Ele correu para a impedir, mas foi tarde de mais. Desde esse dia que tinha posto um processo aos criadores da máquina. Ninguém devia saber o que as outras pessoas pensavam. Era uma coisa pessoal, só delas e de mais ninguém.

Ralph estava desiludido consigo próprio. As pessoas tinham toda a razão. Apesar da ideia ter sido sua, sabia que só havia uma coisa a fazer: proibir a venda dessa máquina e ordenar a destruição de todos os seus exemplares. Mesmo que Daniel não concordasse, era a coisa certa a fazer.

Aaron estava especialmente triste com aquilo. Tinha gostado tanto da ideia do tio, e agora tudo tinha acabado.

- Desculpa, Daniel. Eu achei que era o melhor a fazer.

Mas o amigo estava muito triste. Nunca pensou que Ralph lhe pudesse fazer uma coisa daquelas. Tinha-lhe estragado totalmente o sonho, ainda por cima quando esse já estava concretizado. Não se falaram durante muito tempo.

Ralph continuou a escrever os seus livros, tal como dantes. Não precisava nem queria arranjar outro trabalho. Gostava de escrever, e era isso que faria até ao fim da sua vida, como o Rei lhe tinha dito que devia. Apesar de Daniel estar aborrecido com ele, Ralph nada mais podia fazer. Aquilo havia de passar.

Certo dia, Aaron chegou a casa do pai e disse que tinha saudades do tio. Foi a casa dele, mas só Beth é que lá estava. Conversaram, e ela explicou-lhe que se ele queria ajudar o pai e o tio a voltarem a ser amigos, a única coisa que podia fazer era se inventar outra máquina que pudesse ser utilizada por milhões de pessoas em todo o Mundo, e que, de preferência, não prejudicasse ninguém.

Aaron ficou pensativo. A ideia da tia era muito boa, mas ele não conseguia inventar nada. A maior parte das coisas em que pensava eram impossíveis de realizar e prejudicavam algumas pessoas.

Dias depois, Melinda chamou o filho para a acompanhar ao mercado. A carroça não podia esperar.

Entretanto, no mercado, um homem tentou assaltar a senhora que estava a vender fruta. E foi aí que Aaron se lembrou de uma coisa fantástica. Estava tão contente que nem conseguia explicar porquê. Disse à mãe para se irem embora rapidamente, e quase a arrastou para a casa de Ralph. Mal chegou, desabafou com o tio:

- Tive uma grande ideia, tio! Por que é que não constróis um aparelho que sirva para os polícias e as entidades de segurança de todo o Mundo, que sabe apenas os pensamentos das pessoas que eles andam à procura?

Ralph não queria acreditar. Beth começou a rir, sabendo que o seu plano tinha resultado.

- O quê? – perguntou – Repete lá isso outra vez?

- Constrói um aparelho só para os polícias. Eles só podem utilizar a máquina em serviço. Apontam para o ladrão, ou para o fugitivo, … sei lá… seja o que for, … E conseguem apenas saber o que essas pessoas pensam!

Mas Ralph continuava sem saber o que dizer. Apenas acrescentou:

- Eu não sabia que o meu sobrinho era tão genial, até ao dia de hoje!

Contentes, seguiram os três, eles mais Melinda, para a casa de Daniel. Ele ia ficar radiante. Quando Aaron lhe contou a ideia, Daniel quase desmaiou. Abraçou o filho e Ralph. Decerto ficariam de novo todos amigos. Ralph continuou a escrever os seus livros. Desta vez não ajudou muito Daniel a construir a sua “máquina prodígio”. Empenhou-se num livro a que chamou “ A Máquina de todos os Sonhos”, também o título desta história. Nele contou todos os processos de construção da primeira máquina revolucionária, e o que lhe aconteceu.

Anos mais tarde, escreveu outro livro intitulado “Máquinas de Outros Tempos”, relacionado com a com a segunda máquina dos pensamentos, que Daniel tinha concretizado com sucesso.

Quando Aaron cresceu, tornou-se cientista, mas a sua maravilhosa ideia de quando era criança ficou nos pensamentos de toda a gente. E não foi com a máquina dos pensamentos que Ralph inventou que o Mundo descobriu isso. Foi com os seus próprios olhos.

Ninguém acreditava que um miúdo tão pequeno pudesse ter tido aquela excelente ideia. O mais estranho é que, muitos anos depois, essas pessoas ainda não acreditavam nisso. Era como se fosse impossível, mesmo para um génio. Mas ninguém vive só dos sonhos, muito menos Aaron. Tudo o que pensou, realizou. Tal e qual como o pai e o tio.

E génios não há muitos, por isso mais vale aproveitar quando os há…

 
  

 

 
 

Raquel Santos, 7ºE, nº23.

 
  Colégio Vasco da Gama  
     
 

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